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Dia do Fogo: entenda o evento histórico em que Santa Dica sobreviveu a um batalhão de homens e desapareceu por três dias

Benedita Cipriano Gomes foi uma mulher mística e revolucionária, permeada de eventos históricos e de lendas. Em 1925, militares foram até o povoado em que v...

Dia do Fogo: entenda o evento histórico em que Santa Dica sobreviveu a um batalhão de homens e desapareceu por três dias
Dia do Fogo: entenda o evento histórico em que Santa Dica sobreviveu a um batalhão de homens e desapareceu por três dias (Foto: Reprodução)

Benedita Cipriano Gomes foi uma mulher mística e revolucionária, permeada de eventos históricos e de lendas. Em 1925, militares foram até o povoado em que vivia com os seguidores para prendê-la. Conheça a história de Santa Dica de Goiás A história de Benedita Cipriano Gomes, conhecida por curar enfermos, participar de revoluções políticas e criar um povoado, é permeada de eventos históricos e de lendas, em Lagolândia, a cerca de 40 km de Pirenópolis. Santa Dica de Goiás, nome que passou a ser referenciada, sobreviveu a um batalhão de homens e desapareceu por três dias. Esse episódio ficou conhecido como o “Dia do Fogo”. Clique aqui e siga o perfil do g1 Goiás no Instagram Ao g1, a historiadora e autora do livro “Santa Dica: História e Encantamentos”, Waldetes Aparecida Rezende, de 64 anos, contou que o ocorrido possui mais de uma versão. No povoado, a maioria relatou que cerca de cem homens, militares e jagunços de coronéis da região, invadiram o povoado e “metralharam as casas”. Os moradores já haviam sido avisados por Dica de que “choveria pedras do céu”, mas eles seriam protegidos por "anjos". Do outro lado, está a versão dos militares. Em 10 de outubro de 1925, a Promotoria Pública abriu um processo criminal contra Dica e alguns de seus seguidores. Dois dias depois, uma guarnição com 79 homens, foi até o local cumprir os mandados de prisão. Eles foram indiciados por crimes baseados no Código Penal vigente, um deles era “praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias, para despertar sentimentos de ódio ou amor, incular curas de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credulidade pública”. Os militares relataram que quando chegaram ao local, “foram recebidos à bala pelos moradores, o que provocou a reação por parte da tropa, e que não foi possível evitar o tiroteiro que aconteceu em seguida, pois os soldados reagiram apenas para se defenderem”, narrou o livro “Santa Dica: História e Encantamentos”. Na ocasião, muitos seguidores fugiram pelas águas do Rio do Peixe, alguns morreram afogados e outros baleadas. Dica foi dada como desaparecida e só foi encontrada três dias depois. A escritora escreveu que, antes da fuga, houve relatos de que as balas direcionadas à mulher “caíam de seus cabelos como se fossem grãos de milho e não entravam no corpo dela”. Após o ocorrido, o vestido de Dica foi guardado cheio de furos. Dizem as lendas de que quando os soldados receberam ordens para atirar viram nos galhos de uma gameleira três "anjos", que não eram atingidos pelos disparos. Ao g1, o historiador e escritor, Ubirajara Sampaio Bragança, caracterizou o “Dia do Fogo” como um massacre. “No fatídico dia 14 de outubro de 1925, Benedita Cipriano Gomes recebeu o comunicado de que a força policial estava ali para cumprir um mandado de prisão para ela e alguns de seus seguidores. Nesse momento, um tiro foi disparado por um seguidor de Dica, o que foi considerado o estopim para o ataque da força ao reduto. A prova de que não houve enfrentamento pelos adeptos de Benedita, e sim um massacre, é que não morreu ninguém da força policial”, destacou Bragança. Em 22 de outubro de 1925, após se recuperar dos dias perdida no mato, a mulher se apresentou voluntariamente e se declarou inocente das acusações. Ela foi condenada a uma pena de um ano e dois meses de prisão, mas acabou cumprindo apenas alguns meses, na Cidade de Goiás, devido a pressão por parte dos seguidores e a repercussão do ataque e das mortes que ocorreram no local. Em junho de 1926, ela foi solta com o compromisso de que seria levada pela Confederação Espírita do Rio de Janeiro. Meses depois, Dica retornou ao estado acompanhada do jornalista Mário Mendes, com quem se casou e criaram sete filhos, sendo cinco frutos do relacionamento do casal. Casa da Dona Dica, em Lagolândia Yanca Cristina/g1 Goiás Quem foi Santa Dica? Foto de Santa Dica e um de seguidores, em Lagolândia Reprodução/Livro “Santa Dica: História e Encantamentos” Em 13 de abril de 1905, na fazenda Mozondó, nasceu a menina que se tornaria uma figura emblemática, alvo de ceticismos e de devoções. Já no nascimento, foi marcado o início de uma história repleta de acontecimentos surpreendentes, pois ela foi considerada morta pela primeira vez - outras três ainda viriam, o que hoje a medicina entende como catalepsia, mas na época foram ressuscitações. De acordo com o livro “Santa Dica: História e Encantamentos”, após 24 horas do seu nascimento, quando a família enlutada se preparava para sepultar o corpo da bebê, ouviram um choro e perceberam: ela estava viva. Por serem devotos fervorosos de São Benedito, a filha do casal ganhou o mesmo nome do santo: Benedita. Embora nunca tenha se considerado uma “santa”, foi assim que Dica ficou popularmente conhecida. A historiadora ressaltou que inicialmente essa denominação veio cheia de ceticismo dos jornais da época que noticiavam os diversos relatos de que ela curava pessoas e conversava com "anjos" e guias espirituais, como Rainha Silvéria, José Sueste, também chamado de Rei-de-Valia, e o comandante José Gregório, que foi morto em batalha. “Na verdade, ela nunca se denominou santa e nem o povo. Era até uma forma de crítica, que os jornais a chamavam assim. A maioria era pejorativo, principalmente aqui no estado de Goiás”, ressaltou Waldetes. LEIA TAMBÉM: Santa Dica: saiba a história da mulher conhecida por curar enfermos, participar de revoluções políticas e criar povoado Conheça a história de três mulheres goianas que se tornaram mitos Cervejaria Santa Dica: Conheça cerveja escura feita em Goiás que ganhou medalha de ouro em competição do Centro-Oeste O início das “curas” de Dica ocorreu ainda na infância, conforme pesquisado pela escritora. “Com dois anos, ela teve outro episódio de ausência, que para a medicina é chamado de catalepsia, e foi novamente considerada morta. Só que nessa segunda vez, ela começa a curar e conversar com anjos”, pontuou. A notícia de que havia uma pequena garota que conseguia curar as pessoas começou a se espalhar e chamou a atenção dos boiadeiros que viviam na região. Em 1923, a jovem iniciou os “conselhos”, que eram reuniões realizadas no casarão de curas ou nas casas de algum dos seus seguidores, que já começavam a povoar o local. De acordo com a escritora, Dica banhava e se purificava, em seguida, se deitava em uma cama e ficava paralisada por minutos, momento em que começava a manifestação dos guias espirituais. Em 1925, Dica foi convidada a participar da passagem da Coluna Prestes por Goiás, um movimento político-militar brasileiro, mas a sua relação com o governo se tornou ainda mais complicada. Já em 1930, participou da revolução de Goiás, com o objetivo de acabar com a República Oligárquica, mas foi dois anos depois que Dica atingiu o seu auge, conforme pontuado por Waldetes. A pedido de Getúlio Vargas, Dica participou da Revolução de 1932 e se tornou notícia no mundo todo. Na ocasião, comandou um exército, que dizem as lendas ter sido protegido por “anjos”. Ela conquistou uma influência política, o que levou o seu marido a ser prefeito de Pirenópolis duas vezes. ✅ Clique e siga o canal do g1 GO no WhatsApp 120 anos de legado Busto de Santa Dica, em Lagolândia Yanca Cristina/g1 Goiás Em 2025, o legado de Santa Dica completou 120 anos. Brigitt Cipriano, de 60 anos, é filha da irmã viva de Dica, Bernarda Cipriano, de 97. Ao g1, a sobrinha relembrou que, naquela época, as mulheres não tinham o direito ao voto, mas mesmo assim Benedita conseguiu criar o seu legado, que perdura no local. "Aqui em Lagolândia tem uma liderança muito grande de mulheres, devido à causa dela. Ela foi à frente do tempo dela. Revolucionária em tudo. [...] Ela surge com uma visão diferente, de que as mulheres não precisam estar só atrás do homem. Ela pode ser muito mais que isso", disse. Devido à influência política conquistada por Dica, ela conseguiu que em 1963 a região em que vivia com os seus seguidores, antes “Mozondó” e depois “República dos Anjos”, fosse emancipada como o distrito de Lagolândia, a terra das lagoas. No local, ela realizou cerimônias de batismo e confirmações, em que a maioria dos nascidos a chamavam de “Madrinha Dica”. A terra era repartida para todos e o trabalho deveria ser realizado buscando o bem comum. Dica iniciou a celebração de festas como Folia de Reis, São Sebastião, Nossa Senhora da Conceição, São Benedito, São João e Festa do Divino. Além disso, ela foi responsável por incentivar a educação na região. Atualmente, a escola municipal de Lagolândia carrega o nome dela: Benedita Cipriano Gomes. A revolucionária morreu em Goiânia, em 1970. O seu corpo está enterrado na praça do povoado, em frente à “Casa da Dona Dica” e abaixo de uma gameleira, conforme o seu pedido. Até hoje o local recebe visitantes que fazem orações e prestam homenagens a ela. O legado de Dica está presente no Instituto Santa Dica, presidido por Lucília Amaral. A iniciativa tem como objetivo relembrar a história e valorizar a memória de uma mulher que lutou por muitos, “curou” milhares e foi responsável pela criação de todo um povoado. Túmulo de Santa Dica, em Lagolândia Yanca Cristina/g1 Goiás 📱 Veja outras notícias da região no g1 Goiás. VÍDEOS: últimas notícias de Goiás